domingo, 4 de setembro de 2011

TIM -TIM na Guidaje próprio.... ( in "A minha Guerra" - C.M.)








"2008-01-20 - 00:00:00

A minha Guerra: Vírgilio Silva
Só de uma vez perdemos 23 homens

A Companhia de Caçadores 3 estava aquartelada em Guidaje, no Norte da Guiné, mesmo na fronteira com o Senegal. Eu era cabo especialista em transmissões. A companhia era comandada pelo capitão Marques Abreu. Tinha quatro alferes, quatro furriéis e 14 cabos, todos idos da Metrópole em rendição individual, e 129 soldados africanos.

Antes de eu ter chegado, levou a cabo uma operação junto ao Rio Cachéu e, após violento combate, conseguiu apanhar 10 toneladas de armamento aos guerrilheiros. Por causa disso, o comandante-chefe, general António Spínola, respeitava muito a Companhia de Caçadores 3.

O clima era húmido e quente. A vizinhança ‘queimava’. Refiro-me à base do PAIGC em Komombori, no Senegal, a quatro quilómetros do nosso aquartelamento, em Guidaje. Eles tinham lá entre 700 a 1000 guerrilheiros que nos flagelavam diariamente.

As saídas para o mato eram sempre às primeiras horas da madrugada – para o inimigo não se aperceber da nossa movimentação. Recordo-me muito bem do meu baptismo de fogo. Apesar de levarmos guias – sempre desconfiei de alguns deles –, passámos a noite atascados nas bolanhas (arrozais da Guiné) e logo ao nascer do Sol levámos com o primeiro dos cinco ataques do dia. O último foi o mais forte. Os guerrilheiros receberam reforços e fizeram fogo durante 45 minutos. Já estávamos na mata Samboiã, muito cerrada. Só não tivemos baixas por mérito e competência de quem nos comandava: o alferes Fernandes. 

Mas como perdemos muitas horas – se calhar a táctica deles era mesmo ganhar tempo –, quando chegámos ao objectivo, o armamento que procurávamos já tinha sido retirado. No regresso tivemos boleia em lanchas da Marinha até Binta, onde estava destacado um pelotão nosso. Depois, fizemos 23 quilómetros a pé até Guidaje. Chegámos com sede e muita fome. Andávamos há quatro dias no mato a ração de combate –e comemos mais outra, pois não havia comida feita.

Numa madrugada, era quase duas horas, um numeroso grupo de guerrilheiros atacou o nosso quartel. 

Durante mais de meia hora fizeram fogo com morteiros e rajadas baixas a ‘varrer’ o aquartelamento. Tínhamos que correr para os abrigos e responder ao fogo. Mal pulei da cama tropecei no corpo de um camarada morto. O alferes Gonçalves, outro excelente comandante, não permitia as “rajadas no escuro”. Fazíamos fogo com alvo à vista e tiro-a-tiro. Rajadas só em caso extremo. 

Os guerrilheiros tentaram chegar ao arame farpado – e nós reagimos muito bem. Houve baixas dos dois lados. Nós chorámos as nossas e eles levaram as deles. Durante os 25 meses da minha comissão, os guerrilheiros nunca deixaram um ferido ou um morto para trás. 

Um dos dias mais tristes e de maior revolta aconteceu num dia de reabastecimento. Nós íamos de Guidaje buscar os víveres que vinham do aquartelamento de Binta, nas margens do Rio Cachéu. Picávamos até meio do caminho ao encontro dos outros, trocávamos as viaturas e voltávamos para trás já com comidinha fresca. Naquele dia tudo correu mal. 

As minas espalhavam o terror e a destruição. A caminho de Binta entrámos, sem saber, numa picada minada. Eu tinha avisado o alferes que nos comandava que era mais seguro seguirmos mais metidos na mata. Mas ele não me deu ouvidos e teimou em ir pela picada que era o caminho mais fácil. Quatro camiões Berliet que formavam a coluna explodiram um a seguir ao outro. A Berliet onde eu seguia com o rádio também foi atingida: sofri uma lesão na coluna e o rádio ficou sem antena. Vi-me de repente num inferno: vi camaradas mortos e outros sem pernas. O rádio sem antena não funcionava – a não ser que eu conseguisse chegar a um local mais elevado para tentar transmitir. Foi o que fiz. Daí a um longo bocado começaram a chegar os helicópteros. Eu é que os chamei. Ajudei a carregar os mortos e a socorrer os feridos. Só ali perdemos 23 homens.

"EU TINHA JEITO PARA O RÁDIO E QUERIAM-ME NA TROPA"

Quando terminou a comissão, em Março de 1971, Virgílio Silva ainda hesitou sobre se seguia a carreira militar ou se voltava à oficina de Abrantes onde aprendera a profissão de torneiro mecânico. “Diziam-me que eu tinha muito jeito para o rádio” - recorda, hoje, aos 60 anos. Preferiu a vida civil. Foi recebido pelo patrão de braços abertos.

Era para se casar, mas a pedido do tio adiou a boda até o primo regressar do Ultramar. Casou-se finalmente em 1972. O casal teve uma filha. Em 1976, Virgílio Silva largou o trabalho em Abrantes - e montou a sua própria serralharia, em Ponte de Sor, onde reside. Hoje, além da oficina, tem uma casa de ferragens.

PERFIL

Virgílio Silva. Companhia de Caçadores 3. Guiné (1969-1971). Hoje, aos 60 anos, em Ponte de Sor.

NA PONTE CAIS -BINTA.-

A Minha Amiga e Lavadeira FATÓ.-

VIRGÍLIO ALVES DA SILVA     "DELTAQUATROLIMA"
-fotos de Tim - Tim, com a devida vénia.-







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